sábado, 30 de maio de 2009

Toque para mim, (...)

A música era um carinho, no chão preto, na imensidão negra do espaço.
Os sons do piano me invadiam, começavam lentamente me tocando as orelhas, como mãos pesadas, cautelosas, sem a sexualização do toque, sutilmente, com a leveza pertinente ao toque que não pode ser dado, que não pode ser entendido, que se finge que não entende, que se finge que não é percebido... que se sente, com todo direito que se tem de se sentir algo tão delicado e ao mesmo tempo pungente.
"Eu gostaria de tocar assim um dia"
"Se um dia eu racionalizasse o piano, eu pararia de senti-lo, gostaria que algum dia alguém tocasse assim para mim"

terça-feira, 12 de maio de 2009

Diálogo pós-dramático

Ele: Isso que você mexeu antes não sei saber ao certo o que é mas a situação não muda mesmo assim quero saber de você o que você acha o tempo vai passando e não sei ao certo como agir

Ela: Eu sei

Ele: As reações que vêm de você a mim são vagas
ainda não sei
não sei
não sei
e como você pode me dizer que sabe

Ela: Eu sei que não sei sabe

Ele: Sei

Ela: A mim é novo tudo que pode acontecer e isso me preocupa tomar uma atitude assim tão sem pensar

Ele: Mas saber não faz parte do jogo a graça do jogo é deixar a impulsividade agir a angústia só te leva à não ação se você pensar pensar não é a solução porque o excesso de pensar é que impede o agir

Ela: por você sequer tenho esse tempo para pensar portanto não penso não tenho a cabeça para pensar portanto não penso

Ele: O tempo gasto pensando que não se tem tempo já foi tempo demais para você ter pensado ou não pensado e agido

Ela: Sei

Ele: Saber eu sei que você sabe por mais que você pense que não sei você fica para frente e para trás nas possibilidades e não se move em definição

Ela: Tem certeza que quer deixar nas minhas mãos

Ele: Se não for você quem vai ser não estou na mesma posição que você

Ela: Você me pressiona sem saber as conseqüências que isso pode vir a ter ainda sim você tem certeza do que está fazendo

Ele: A única certeza que tenho é a da minha angústia por sua reticência em se mover

Ela: Ok meu rei matou sua rainha

terça-feira, 7 de abril de 2009

Quase um "quase"


Se eu fosse você eu largava mão de prestar estes concursos. Venha viver comigo minha vidinha simples, estou no pior momento financeiro de minha vida: devo até as calcinhas para o banco, meus pais também estão endividados, decidi fazer algo que não me voltará lucro tão cedo, mas minha gana de fazê-lo é tanta que me lembra a gana que tinha ao receber suas ligações. Ah, sim... lembro-me bem, meu desejo era de entrar pelo fio do telefone, era celular, tudo bem, não vamos perder o valor poético. Mas a minha vontade profunda e uma vez quase o fiz... era de pegar um avião naquele exato momento e ir bater na sua porta, enfrentaria meu medo de avião, arriscaria o dinheiro da passagem, foda-se... eu bancava.
Eu quase fui, eu quase fiz, eu quase te beijei, eu quase, quase, quase... Minha vida com você foi quase um quase!
Não deixei o quase me dominar, não... quando você veio pra cá, o quase não existiu. Não estava quase inteira pra você, não estava quase disposta, não estava quase à flor da pele, não... eu estava lá.
Sabe quantas vezes eu me perdi pra achar aquela porra daquele hotel na rua Casper Líbero? Sabe o esforço que eu fiz para ocultar até de mim mesma que eu tinha um plano pra ficar com você? Sabe como foi difícil aquietar minha ansiedade de esperar a hora certa?

Seus sinais, você sempre teve mais ansiedade que eu, sempre... aquele beijo que você quase me deu no MASP, você ainda estava no quase, eu já tinha passado essa fase... e não me venha dizer que era porque você estava namorando, a fidelidade é uma utopia... só a sentimos, quando outrem não nos dá, do contrário... ela não passa de mais uma convençãozinha formal tal como seu e-mail.
Você pode me acusar agora de estar sendo agressiva, não meu anjo, há tanto doce nos meus olhos neste exato momento. Ainda assim, você pode me acusar de ser negativista, mais uma vez não, meu anjo, sou de um otimismo duro porque digo a verdade, apenas isso.
Mas voltando ao quase, eu não poderia quase te dizer o que eu sinto. Não, embora a linguagem seja insuficiente, digo-lhe: sinto imensa saudade do seu sorriso, do seu jeitinho simplista, do seu sotaque que ainda se mantém puro e ninguém te chateia por isso, porque ele é lindo e era como o meu quando ainda não tinha sido contaminada por outros aspectos da língua. Sinto uma imensa vontade de me mostrar por detrás desta menina boba que sou, que veste a máscara de palhaça pra ocultar coisas tão belas, mas que por traumas bestas, eu insisto em guardar só para mim. Queria te mostrar também meus defeitos, tenho muitos, não são só os que você viu, queria te mostrar pra ver se você ainda assim fica comigo, senão... foda-se. Queria recomeçar do zero.. mas a vida comigo iria ser dura.. você teria a obrigação de ser feliz, é a única lei que eu tenho, você nem precisaria decorar imensos códigos penais. Acordar feliz, almoçar feliz, trabalhar feliz, fazer sexo feliz, ir dormir feliz... e... quando entristecêssemos, pagaríamos uma multa singela em abraços e... pelo tamanho da tristeza a multa poderia até ir para beijos. Quanto à minha situação financeira, não se preocupe, eu já me preocupo demais com ela, um dia ela melhora... e você sabe, não tenho muitas ambições materiais. O que eu queria mesmo te dizer é que eu estou na minha vida, abolindo o “quase”, isso não mais me pertence, não mais me interessa. E vivo neste exato momento, algo semelhante ao que vivi com você naquele dia de novembro. A concretude... sem medo, tentando controlar a ansiedade, vivendo cada minuto como se fosse o último, porque “a vida passa que nem um rato na sala, quando você o vê se assusta e quando percebe ele já se foi”!
Ok, vamos ao otimismo duro: você deve estar se preparando para me responder que não pode largar sua vida, suas coisas, que tem algo feito, já pronto... que tem relações às quais se apegou muito e que eu sou uma sonhadora inconseqüente, pode até me dizer que eu quis só sexo com você aquele dia... creio que você repetiria isso.. saiba que isso doeu! Quis gozar, é diferente de querer só sexo, aproveitar cada pedacinho de você, pois poderia ser a última vez, apesar de sabermos que nunca terá algo apenas brando tal como amizade entre nós.

Vamos, diga isso mais uma vez, mas saiba que não me surpreenderá em nada, não será nada original de sua parte. Quer saber... larga esse “quase”, pega um avião... eu vou na puta que pariu de novo te buscar só pra ver de novo sua carinha de bicho do mato perdido na cidade grande.

segunda-feira, 23 de março de 2009

Os dois


Ando, vagueio, me perco cansada numa relva atroz.

Na relva atroz, na noite agora fria, os tempos de seca se aproximam.

A minha voz se vai, o meu canto se esvai, minhas costas doem.

Meu corpo me reclama, minhas pálpebras se deitam cansadas.

Nado, nado, nado, nado... três braçadas, uma respiração.

Ergo a cabeça, descubro que sou torta, me dou conta da tortura em mim.

Torta. Para um mundo que aceita tantas pressões, aceita tantos traumas,

aceita tanta violência, confunde autoridade com autoritarismo, confunde hipocrisia

com diplomacia, se confunde e se funde numa massa cada vez mais amorfa... eu sou torta.

Impossível... "posso te explicar, cientificamente, posso te explicar. Venha, vou abrir sua cabeça.

Olha... vc funciona assim, não consegue tomar decisões, é mimada, não consegue lidar com a escolha". Torta.

Ando, vagueio, me perco cansada numa relva atroz.

Nado, nado, nado, nado... quatro braçadas, uma respiração.

Encontro-me, refletida na água límpida que nem espelho de almas.

Nado, nado, nado, nado... apenas ouço o meu próprio som.

Cinco braçadas e uma respiração, me vejo novamente refetida no espelho de alma.

Ereta, queixo no lugar, ombros no lugar, coluna reta.

Escolho. Tenho a liberdade ousada e a banco, ao menos para mim mesma, escolho os dois, desejo os dois, sei ter a essência de cada corpo, sei o prazer de cada gozo, interesso-me em amar os dois lados, sei ter por mim a fragilidade e a rispidez necessária.

Quero a paciência de tentar aprender com os dois, sem a promiscuidade a isso conferida, com o respeito e a responsabilidade de qualquer atitude.

Talvez isso assuste, se permitir tanto assusta em um mundo que não temos 5% do conhecimento total de nossas capacidades.

Mas a isso, eu me permito, eu me concedo esta graça. E podem morrer tentando me explicar, ninguém vai saber o que me permito sentir porque eu quero e banco.

domingo, 14 de setembro de 2008

Emcubotudopode


Precisei de um estado de cubo
Incubação.
Manter-me incubada
Sem charutos, sem narguilhas
Silêncio.
Apalpar as paredes, bater a cabeça.
Apreciar a clausura, sentir a dimensão
do cubo e dar-me por mim sozinha.
Me dar para mim sozinha.
Sozinha por dar-me a mim.
Intercalar esta fase de cubo
ao tudopode, tudo deve, mas
antes de tudo, tudo o é então,
por direito de sê-lo:
O que é.
No tudopode, sair do cubo
CASULO, CASA, MAMILO, ASILO
Então, se tudo pode, serei tudo
de uma vez, ou serei todas as
coisas, uma de cada vez:
ASA, PAU, GATO, BORBOLETA,
BUCETA, FLOR, ESPINHO, ÁRVORE,
FLUXO DE CONSCIÊNCIA.
Inconscientemente
Nos atos falhos, falhar, falar, falo.
Um falo gigante do tamanho do
Buraco que há em mim.

De volta, no cubo de dentro
deixar sair de lá tudo, o tudopode, a CRIA
a AÇÃO de um ato para dar a luz.
FIAT LUX
EURECA!!
Criei, pari, gestei
Uma criança linda de olhos vivos e pele fresca
Um ser pequeno, pedindo colo, desprotegido.
Protege-lo-ei, amamentarei, afagarei os cabelos
No embalo das canções de ninar.
Aquela criança maldita!
Chorona, remelenta, catarrenta e que não me desgruda.
Desnuda, diz nada, dispara.
Diz para ela que embora tudo que há, eu a amo da maneira que eu posso.

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

A Parada Boi



Eram sons desconexos e a desconexão dos sons tomava a cidade por completo. Era o campo no seu pocotar de cavalos. Era o gado na guturação do berrante. A cidade estava tomada. Invadiram a avenida principal. Camisas coloridas e frases impactantes. A enchorrada de gente dó terminava na praça onde tudo começou. O mar de calçadas, o asfalto escuro e opaco, as vitrinas das lojas eram palco da euforia. Resplandeciam e presenciavam a chuva de melodias pobres em letra e afinação. O gado apenas queria mostrar o orgulho de ser povo, estremecia a garganta nas vogais abertas. Enaltecia-se dos sabores das próprias carnes e da cevada líquida. Um gado sofrido, mas sem marcas, sem guerras exteriores, apenas bebendo para fazerem afogar sua mágoa e emergir sua loucura.

Os chapéus para tamparem a racionalidade . Botas grandes para ter-se a sensação de que se protegem dos perigos do chão, da terra, da mãe de todos nós, realidade. Porque agora eram todos heróis, mas os cavalos não falavam, apenas relinchavam em português. Todas as moças eram princesas de se coroar. E nas mentes menos conservadoras anadavam nuas sem serem meretrizes. E o gado empavonado, "empovonado" desfilava o seu orgulho, o orgulho de ser boi sem perder o direito de ser gente.

Bois, minotauros, bezerros, vacas de leite e de corte, novilhas, touros, garrotes... Havia espaço para todos, sem preconceitos, esquecendo-se as diferenças. Todos irmãos, todos felizes, todos num momento de salvação do suicídio cotidiano, da guerra interior que nos habita. Sem se preocupar com o abate.

Apenas brilhando o dia no pasto de concreto.