domingo, 14 de setembro de 2008

Emcubotudopode


Precisei de um estado de cubo
Incubação.
Manter-me incubada
Sem charutos, sem narguilhas
Silêncio.
Apalpar as paredes, bater a cabeça.
Apreciar a clausura, sentir a dimensão
do cubo e dar-me por mim sozinha.
Me dar para mim sozinha.
Sozinha por dar-me a mim.
Intercalar esta fase de cubo
ao tudopode, tudo deve, mas
antes de tudo, tudo o é então,
por direito de sê-lo:
O que é.
No tudopode, sair do cubo
CASULO, CASA, MAMILO, ASILO
Então, se tudo pode, serei tudo
de uma vez, ou serei todas as
coisas, uma de cada vez:
ASA, PAU, GATO, BORBOLETA,
BUCETA, FLOR, ESPINHO, ÁRVORE,
FLUXO DE CONSCIÊNCIA.
Inconscientemente
Nos atos falhos, falhar, falar, falo.
Um falo gigante do tamanho do
Buraco que há em mim.

De volta, no cubo de dentro
deixar sair de lá tudo, o tudopode, a CRIA
a AÇÃO de um ato para dar a luz.
FIAT LUX
EURECA!!
Criei, pari, gestei
Uma criança linda de olhos vivos e pele fresca
Um ser pequeno, pedindo colo, desprotegido.
Protege-lo-ei, amamentarei, afagarei os cabelos
No embalo das canções de ninar.
Aquela criança maldita!
Chorona, remelenta, catarrenta e que não me desgruda.
Desnuda, diz nada, dispara.
Diz para ela que embora tudo que há, eu a amo da maneira que eu posso.

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

A Parada Boi



Eram sons desconexos e a desconexão dos sons tomava a cidade por completo. Era o campo no seu pocotar de cavalos. Era o gado na guturação do berrante. A cidade estava tomada. Invadiram a avenida principal. Camisas coloridas e frases impactantes. A enchorrada de gente dó terminava na praça onde tudo começou. O mar de calçadas, o asfalto escuro e opaco, as vitrinas das lojas eram palco da euforia. Resplandeciam e presenciavam a chuva de melodias pobres em letra e afinação. O gado apenas queria mostrar o orgulho de ser povo, estremecia a garganta nas vogais abertas. Enaltecia-se dos sabores das próprias carnes e da cevada líquida. Um gado sofrido, mas sem marcas, sem guerras exteriores, apenas bebendo para fazerem afogar sua mágoa e emergir sua loucura.

Os chapéus para tamparem a racionalidade . Botas grandes para ter-se a sensação de que se protegem dos perigos do chão, da terra, da mãe de todos nós, realidade. Porque agora eram todos heróis, mas os cavalos não falavam, apenas relinchavam em português. Todas as moças eram princesas de se coroar. E nas mentes menos conservadoras anadavam nuas sem serem meretrizes. E o gado empavonado, "empovonado" desfilava o seu orgulho, o orgulho de ser boi sem perder o direito de ser gente.

Bois, minotauros, bezerros, vacas de leite e de corte, novilhas, touros, garrotes... Havia espaço para todos, sem preconceitos, esquecendo-se as diferenças. Todos irmãos, todos felizes, todos num momento de salvação do suicídio cotidiano, da guerra interior que nos habita. Sem se preocupar com o abate.

Apenas brilhando o dia no pasto de concreto.

quarta-feira, 28 de maio de 2008

O póstumo e a lua


A lua estava cheia de si, cheia de luz, cheia de sol.
Vagueava sua luz pela cidade.
A moça sentada na varanda a olhava.
E a lua disse:
_ Serena-te, silencia-te e ouça o barulho do turbilhão que há dentro de você.
A moça estava acompanhada de um morto, ela sempre levava um morto para cama antes de dormir. Acariciava-lhe as faces passando as páginas com os dedos.
Olhava para a lua sem piscar, hipnotizada. Viu aquele satélite em seu total esplendor refletir-se na água. Lembrou que quando era criança sonhava que pulava no riacho e o alcançava.
Sentiu desenvolver dentro de si o animal que a doma, quis colocar-se na posição quadrúpede, uivar loucamente, saudá-lo.
O morto disse que não.
_ Coloca-te sentada, pega uma pena e tinta, rabisca palavras num papel, veja em que posição está a lua no seu mapa astral, transforma o animal em gente e faça dele poeta. Seja você o animal, a pessoa e o poeta e transforma outros animais em pessoas e poetas, seja mil, seja um milhão, seja infinita.
A moça olhou para o morto serena como a lua havia mandado.
_ Acalma-te, gênio! Apenas cogitei a hipótese de uivar para a lua, ainda não passei isso pelo crivo da razão! Senta ao meu lado, olha para a lua e ve se entendes a metafísica.
O morto riu coçando a barba, olhou para a moça em silêncio, fechou os olhos e procurou sentir a sensação gostosa que o atrevimento da moça lhe causava.

segunda-feira, 14 de abril de 2008

E o menino dos mares de morros responde:

Alá, tá vendo?
Qual delas?
Todas!
Impossível, só dá pra ver uma de cada vez!
Por que?
Se você tentar olhar para todas não vai dar atenção para nenhuma.
Mas como olhar para apenas uma se todas tem algo pra mostrar?
É só você escolher qual te atrai mais e olhar para ela.
Tá!
Já escolheu?
Sim!
Qual?
Todas!
Ah, seu moleque!
É como o céu, tem espaço para todas, uma hora tem aquela que voa até o Sol, outra que mergulha entre as nuvens e aquelas que caem para que possamos ampará-las no solo.
Então, aí você está olhando uma de cada vez!
Não, meus olhos estão na alma e em momento algum deixei de olhar por todas elas!
Duvido!
Então, por que estamos aqui?
Para admirar pipas no céu!
E para dançarmos entre elas!
E qual dança você prefere?
Aquela de miúdos desgovernados, sem regras, pura!
Por que essa?
Por ser todas!

quarta-feira, 2 de abril de 2008

Infinito


O professor de matemática acabara de sair da sala e uma conta enorme havia resultado em um milhão.
Números são questões perniciosas, devem ser ministradas com cuidado para crianças.
Afinal, além de não serem palpáveis nem sensitivos, ainda assim não são substantivos abstratos.
São numerais. Ordinais, múltiplos, cardinais. Ainda assim... imaginários.
Há uma maneira particular e pessoal até de tratá-los na mente absorta e fértil de quando somos projeto de gente.
Para mim as letras têm cor, mas os números... ah... eles têm personalidade.
O pequeno projeto de gente perguntou-me o que vinha depois de um milhão.
Adoro a audácia despertando nas pessoas.
Respondi que seria um milhão e um, um milhão e dois... e nessa fomos até minha exaustão matinal chegar ao glorioso e poético infinito.
Falta-me uma palavra exata, mas tratamos de linguagem, subjetiva e simples... quando a audácia vira ambição, ela transpõe a curiosidade do além...
O pequeno projeto de gente não se contentou com o infinito.
O que vem depois do infinito?
Eu poderia deixar Sartre dentro de mim quieto e mudo... mas não:
Nada. Vem O NADA.
Não!
A voz fina, porque as cordas vocais ainda estão se formando, freneticamente na ânsia linda das questões descobertas, quando uma lâmpada aponta por cima da cabeça, afirmou com a convicção que eu queria ter para tudo:
Depois de infinito... vem infinito e um, infinito e dois, infinito e três...
Vou guardar para sempre a melhor aula de matemática que tive, dada por alguém com metade da minha idade.
E depois disso, recosta-me um sigilo imenso das coisas simples, por que não?
Afinal, realmente depois do infinito vem infinito e um, infinito e dois, infinito e três...
As pessoas temem o fim das coisas, mas são meras questões numéricas.
Jeito simplista de ver as questões do mundo?
Não.
Jeito grandioso de ver as coisas na perspectiva de uma pequena mente brilhante.
Guardaria segredo, numa demonstração de egoísmo profundo, mas não consigo.

domingo, 30 de março de 2008


Absinto, gomas de mascar e balas de goma.

Certo dia, experimentei uma goma de mascar dessas que são ácidas no começo mas adocicadas no final.
Ai, desejo incontrolável de mudar o sabor das coisas, é isso o que nos move.
Se assim não o fosse, o absinto seria vendido em lojas de doces para crianças.
E não em bares. Com um torrão de açúcar para amenizar o amargor.
Ainda sou daquelas crianças que gostam de balas de goma. Daquelas com sabor da cor.
Daquelas que ainda conservam o azedume discreto do sabor cítrico da fruta.
Daquelas que te dão uma dorzinha abaixo das orelhas entre as mandíbulas e o tímpano.
Daquelas que grudam nos dentes e dão cáries, mas são deliciosamente viciantes.
O mal do século é a diabetes. Alguns cristãos que acreditam no pecado diriam que pagamos pela exploração da cana-de-açúcar.
Eu digo que pagamos é pela hipocondria.
Mania de fazer exames de sangue, mania de querer saber das doenças.
Antigamente um diabético morreria sem saber que seu veneno era o açúcar.
Mas teria uma morte como a da goma de mascar: ácida no começo, mas doce no final.
Quero neste exato momento entrar nos bares.
Quero dois torrões de açúcar para cada dose de absinto.
Quero emudecer meus sintomas, ficar indecifrável, nenhum exame de sangue me decifra por dentro agora.
Alguém que queira adivinhar o que eu tenho por dentro, que saiba apenas ler pensamentos.
Porque é disso que eu sou feita: sem células, sem triglicérides, sem HDL, sem glutamil transferase, triiodotironina, TSH, leucócitos, linfócitos, plasmócitos, monócitos e outros "ócitos".
Não quero mais que me deitem numa maca.
Quero deitar alguém na cama, perder meu olhar bem longe e este alguém querer saber o que eu estou pensando.
O pensamento sou eu... e não me venha com essa de que nada mais é do que um conjunto de reações químicas e físicas do cérebro.
Pro inferno o cérebro! Essa massa cinza estúpida! Parece uma goma de mascar mastigada, que já perdeu o sabor.
E sequer foi ácida, sequer foi doce, sequer teve cor que se preze.
E quando eu deitar alguém na cama quero fazer um levantamento do sabor das coisas.
E quando me perguntarem o que eu estou pensando, quero apenas sorrir e dizer:
_É bela. A vida. E o belo é que é doce no final.

segunda-feira, 17 de março de 2008


Vênus em escorpião.

Tive um dia feliz e vi na fumaça do cigarro da minina irritada um coração que sumiu.
Reapareceu no meu olhar o mesmo coração quando em suór mergulhada, de prazer eu estava a sussurrar a melodia que tocava no radinho velho.
A pequena francesa me abraçava forte nas noites sem sono.
As noites sem sono me faziam abraçar o travesseiro ao lembrar da pequena francesa.
O travesseiro me fazia embeber a pequena francesa por exalar seu cheiro na noite sem sono.
Pequenas doses.
Bem discretas de mim.
Intervaladas por dias e noites de cama vazia.
Doses homeopáticas.
Bem discretas do veneno do escorpião dentro de mim.
Apenas um lugar, uma cama e duas pessoas bastam, ela dizia. E meu riso intervalava entre meu rosto e o dela corados.
O sofá duro e verde, agredia as costas que portavam todo um corpo entregue.
O corpo torto porque era entregue se debatia no sofá verde e duro.
O corpo ficou verde e duro por causa do sofá entregue.
Silêncio.... e os corpos se uniram na intersecção de um conjunto vazio de preocupação.
Vênus soprou que as doses do veneno teriam que ser pequenas e intervaladas.
O risco de overdose é grande. Não queremos enjoar a intersecção do conjunto vazio.
De dentro dos conjuntos saíram dois morcegos, um fantasma, o presente e o passado.
E agora a francesa também sussurrava a melodia do radinho velho e eu sismava ver na parede um relógio derretendo.