segunda-feira, 19 de julho de 2010

A menina e o gato.


Todos os dias há um encontro entre uma menina e um gato.
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Gato:_ Pobre menina, com essa cara meio sonsa, vem aqui escrever versos no seu caderno. Quando menor, seus pais lhe amarravam a mão esquerda para que se tornasse direita. É canhota, pela pressão da vida tornou-se ambidestra, mas o esforço para escrever com a mão direita a impede de fazer da escrita algo que corporifique as subjeções.
E então eu me questiono. O que serão de seus versos? Penso que ela terá pobres poemas confusos. O que seus amiguinhos sonetos vão dizer na escola? Que ele foi escrito pela mão esquerda! Senhor, é muita pressão para uma lírica!
O que ele vai dizer quando lhe perguntarem onde estão as rimas? As metáforas? E a caligrafia, meu Deus, não é caligrafia que se preze. Chacota diária vai ser pela metrificação irregular.
Racionalidade, veja lá! Infelizmente o mundo é assim, minha querida.

Menina:_ Ohn... pobre gatinho, vem aqui procurar ervinhas alucinógenas. Deve ser duro viver na realidade de gato o tempo todo. Come, dorme, se lambe, um dia vomita uma bola de pelos. Me olha com cara de indiferença, mas vem se esfregar nas minhas mãos. Gatinho, deve ser tão feliz, assim, loucão de ervinha pra gato, ri àtoa, não deve se preocupar com nada na vida. Totalmente entregue aos instintos de gatinho e é por isso que você entende a minha dor. Sabe, gatinho... um dia eu ainda leio os meus poemas pra você.

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E todos os dias eles dormem pensando que vivenciam a vida um do outro quase que interinamente.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Boneco de pano

Senta aqui na minha mão, boneco de pano.
Aproveite para olhar a linha da minha vida.
Bem debaixo da sua bunda, assim.. à esquerda.
Veja que meus traços são fortes.
Que minha pele é áspera, que minhas cutículas
São ressecadas e me machucam as unhas.
Não tenho calos, mas não é difícil de fazê-los.

Senta aqui no meu ombro, boneco de pano.
Aproveite para olhar dentro do meu ouvido.
Bem ao seu lado à altura da sua cabeça.
Veja que daí não se pode ver o meu cérebro.
Que meus tímpanos ressoam quando você grita.
Que há cera que me atrapalha ouvir.
Não tenho cravos, mas se tivesse os tiraria.

Senta aqui no meu peito, boneco de pano.
Aproveite para sentir meu coração batendo.
Bem debaixo da sua bunda, ao lado do meu seio esquerdo.
Sinta que ele reverbera em seu corpo.
Que ele tem um ritmo comum, nada muito frenético.
Que o pulsar te faz se apoiar em meus seios.
Não tenho taquicardia, mas meu coração bate forte.

Agora que você sabe da geografia do meu corpo, boneco de pano.
Começa a olhar para a minha alma.