domingo, 30 de março de 2008

Absinto, gomas de mascar e balas de goma.

Certo dia, experimentei uma goma de mascar dessas que são ácidas no começo mas adocicadas no final.
Ai, desejo incontrolável de mudar o sabor das coisas, é isso o que nos move.
Se assim não o fosse, o absinto seria vendido em lojas de doces para crianças.
E não em bares. Com um torrão de açúcar para amenizar o amargor.
Ainda sou daquelas crianças que gostam de balas de goma. Daquelas com sabor da cor.
Daquelas que ainda conservam o azedume discreto do sabor cítrico da fruta.
Daquelas que te dão uma dorzinha abaixo das orelhas entre as mandíbulas e o tímpano.
Daquelas que grudam nos dentes e dão cáries, mas são deliciosamente viciantes.
O mal do século é a diabetes. Alguns cristãos que acreditam no pecado diriam que pagamos pela exploração da cana-de-açúcar.
Eu digo que pagamos é pela hipocondria.
Mania de fazer exames de sangue, mania de querer saber das doenças.
Antigamente um diabético morreria sem saber que seu veneno era o açúcar.
Mas teria uma morte como a da goma de mascar: ácida no começo, mas doce no final.
Quero neste exato momento entrar nos bares.
Quero dois torrões de açúcar para cada dose de absinto.
Quero emudecer meus sintomas, ficar indecifrável, nenhum exame de sangue me decifra por dentro agora.
Alguém que queira adivinhar o que eu tenho por dentro, que saiba apenas ler pensamentos.
Porque é disso que eu sou feita: sem células, sem triglicérides, sem HDL, sem glutamil transferase, triiodotironina, TSH, leucócitos, linfócitos, plasmócitos, monócitos e outros "ócitos".
Não quero mais que me deitem numa maca.
Quero deitar alguém na cama, perder meu olhar bem longe e este alguém querer saber o que eu estou pensando.
O pensamento sou eu... e não me venha com essa de que nada mais é do que um conjunto de reações químicas e físicas do cérebro.
Pro inferno o cérebro! Essa massa cinza estúpida! Parece uma goma de mascar mastigada, que já perdeu o sabor.
E sequer foi ácida, sequer foi doce, sequer teve cor que se preze.
E quando eu deitar alguém na cama quero fazer um levantamento do sabor das coisas.
E quando me perguntarem o que eu estou pensando, quero apenas sorrir e dizer:
_É bela. A vida. E o belo é que é doce no final.

Um comentário:

Adoniran Leblon disse...

Sua revolta contra os diagnósticos é encantadora. Não pelo posicionamento médico em si, que é condenável, mas pela questão mais ampla de postura com relação com a vida e com as coisas. Tão comum hoje as pessoas não viverem para poder ter a vida sob controle. Tão gritante o contransenso... Seja sempre assim: sã!


Em tempo: achei você na comunidade "Clarice Lispector", lá que andei panfleteando meus escritos. Estava cansado de comentários eventuais do tipo "blog legal! parabéns" que vêm de visitantes aleatórios e decidi caçar visitantes que tenham alma em perspectiva. Não que eu ache que todos que lêm devem comentar algo ou que os comentários precisam ser pequenas peças literárias. Mas é bom sentir que alguém leu e viu algo que não eram exatamente as palavras apenas, não é?

Visitarei mais vezes aqui. Preciso voltar a ler tudo isso um pouco mais acordado, meu estado atual é lastimável, confesso. Beijos!