Ando, vagueio, me perco cansada numa relva atroz.
Na relva atroz, na noite agora fria, os tempos de seca se aproximam.
A minha voz se vai, o meu canto se esvai, minhas costas doem.
Meu corpo me reclama, minhas pálpebras se deitam cansadas.
Nado, nado, nado, nado... três braçadas, uma respiração.
Ergo a cabeça, descubro que sou torta, me dou conta da tortura em mim.
Torta. Para um mundo que aceita tantas pressões, aceita tantos traumas,
aceita tanta violência, confunde autoridade com autoritarismo, confunde hipocrisia
com diplomacia, se confunde e se funde numa massa cada vez mais amorfa... eu sou torta.
Impossível... "posso te explicar, cientificamente, posso te explicar. Venha, vou abrir sua cabeça.
Olha... vc funciona assim, não consegue tomar decisões, é mimada, não consegue lidar com a escolha". Torta.
Ando, vagueio, me perco cansada numa relva atroz.
Nado, nado, nado, nado... quatro braçadas, uma respiração.
Encontro-me, refletida na água límpida que nem espelho de almas.
Nado, nado, nado, nado... apenas ouço o meu próprio som.
Cinco braçadas e uma respiração, me vejo novamente refetida no espelho de alma.
Ereta, queixo no lugar, ombros no lugar, coluna reta.
Escolho. Tenho a liberdade ousada e a banco, ao menos para mim mesma, escolho os dois, desejo os dois, sei ter a essência de cada corpo, sei o prazer de cada gozo, interesso-me em amar os dois lados, sei ter por mim a fragilidade e a rispidez necessária.
Quero a paciência de tentar aprender com os dois, sem a promiscuidade a isso conferida, com o respeito e a responsabilidade de qualquer atitude.
Talvez isso assuste, se permitir tanto assusta em um mundo que não temos 5% do conhecimento total de nossas capacidades.
Mas a isso, eu me permito, eu me concedo esta graça. E podem morrer tentando me explicar, ninguém vai saber o que me permito sentir porque eu quero e banco.